O círculo europeu que limita as estrelas da tecnologia
Legislação digital da União Europeia sinaliza novos tempos para a Web. Tentativa de controlar os algoritmos e publicidade direcionada afronta às big techs, e reforça por que atual formato esgotou-se
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Como a internet transformou-se em uma caixa preta de dados
No início de agosto, o TikTok anunciava que “em breve” os europeus poderiam desligar o algoritmo de seleção de seu conteúdo pegajoso. Ao invés de receber material em seus feeds Para Você e Ao vivo, os usuários optariam por não participar da segmentação de atenção baseada em vigilância.
A rede social, na mesma época, também lançou uma biblioteca de transparência de anúncios. A API de pesquisa foi disponibilizada em toda a Europa.
Apesar de não ter explicado abertamente os motivos relativos às medidas tomadas, o TikTok preparava-se para cumprir os novos requisitos da Lei de Serviços Digitais (DSA) da União Europeia, que entrou em vigor na última sexta-feira, 25.
Usuários de aplicativos sociais que vivem em algum dos 27 países que compõe o bloco, foram bombardeados por banners informando sobre a atualização da política de privacidade.
A DSA, oriunda de sua legislação congénere, a Lei dos Mercados Digitais, é a cartilha da UE para as big techs. Ou, na concepção de Thierry Breton, um membro do parlamento europeu, trata-se de “uma internet mais segura para todos.”
"O DSA procura garantir que a esfera digital seja mais segura em geral e que os direitos fundamentais das pessoas que utilizam plataformas online sejam protegidos."
Por determinação das novas regras, os gigantes de tecnologia devem implementar formas de prevenir e remover publicações que contenham bens, serviços ou conteúdos ilegais, ao mesmo tempo que proporcionam aos utilizadores os meios para denunciar irregularidades.
Além disso, a DSA proíbe a publicidade direcionada com base na orientação sexual, religião, etnia ou crenças políticas e impõe restrições à segmentação de anúncios para crianças. Ainda exige que estas empresas forneçam mais transparência sobre o funcionamento dos seus algoritmos.
Os regulamentos completos da DSA estão reservados para 19 plataformas e motores de pesquisa com mais de 45 milhões de utilizadores na UE, ou seja, 10% da população total do bloco econômico.
O que acontece se essas plataformas não cumprirem as novas regras?
De acordo com a Comissão da UE, o Coordenador de Serviços Digitais e a Comissão terão o poder de “exigir ações imediatas sempre que necessário para resolver danos muito graves”. Uma plataforma que se recuse continuamente a cumprir poderá resultar em suspensão temporária no bloco, e sofrer multas de até 6% do seu volume de negócios global.
As penalidades, no entanto, não entrarão em vigor imediatamente. Por ora, as empresas listadas são solicitadas a realizar avaliações internas sobre até que ponto já seguem as regulamentações. Em seguida, a Comissão Europeia auditará esses relatórios e recomendará sobre as medidas que devem ser tomadas.
Companhias com menos de 45 milhões de usuários não precisarão seguir todas as regras da DSA e terão mais seis meses para cumprir a lei.
Entre todas as normas especificadas pela DSA, o trecho que cita "padrões obscuros" é o maior afronta às big techs, e por isso está sendo visto como "controverso" . O texto fala em proibir "formas manipulativas de incitar os utilizadores a clicarem em conteúdos que não procuravam originalmente."
Ou seja, a UE quer ter os algoritmos sob suas rédeas.
Havia também um direcionamento que não permitiria publicidade de vigilância (anúncios personalizados para usuários após rastrear hábitos online e histórico de pesquisa) para menores, que, depois, passou a considerar qualquer idade. A pauta, porém, foi diluída com sucesso por lobistas da tecnologia.
O impulso de conteúdos por meio de algoritmos e a publicidade personalizada são a força motriz do negócio das big techs, e foram responsáveis por construir o reinado destas empresas na última década. Porém, o império começa a ruir.
Conforme a The Block Point já mostrou em outras edições, o modelo de negócios das plataformas sociais baseado em alcance e cliques alavancados por algoritmos está saturado. E os sintomas da crise agravam-se no momento em que uma nova internet desponta.
"Na Roma Antiga, o Interregno era o período entre a morte de um monarca e a coroação de seu sucessor. Foi um período de transição e incerteza (...) O caos e as incertezas indicam fortemente que a mídia social está entrando em uma era de interregno, pois o paradigma existente começa a mudar o irreconhecível (…) Plataformas anteriormente dominantes estão começando a dar lugar a novas alternativas, com experimentos em andamento em descentralização e modelos de negócios tentando traçar novos caminhos", opinou o insider Richard Yao.
📝 CRISE SEM FIM: Lei de Notícias Online entra em vigor no Canadá e agrava embate com as big techs
Para o escritor e analista Nathan Baschez, haverá uma mudança em direção a uma internet que se parece mais com o que era antes do Twitter e do Facebook se tornarem dominantes. As grandes redes ainda existirão, mas sua parcela de atenção diminuirá e haverá um aumento de comunidades menores que têm o poder de impor suas próprias regras.
E como era este ambiente no década de 90? Certamente, um espaço mais transparente em relação ao uso das informações de seus usuários. Hoje, a internet está se transformando em uma caixa preta de dados, expressão usada por Surya Mattu, jornalista, artista e engenheira que lidera o Digital Witness Lab no Centro de Política de Tecnologia da Informação da Universidade de Princeton, para definir o atual momento.
"À medida que os sistemas algorítmicos são integrados em todos os aspectos da sociedade, os mecanismos regulatórios lutam para acompanhá-los", disse Mattu.
Por acaso, a constatação da analista não nos faz lembrar de imediato sobre o papel de fiscalizador assumido pela União Europeia com sua DSA?
Três dias antes de a legislação digital entrar em vigor, Mattu trouxe seu ponto de vista em um artigo mais técnico publicado pelo Wired. Ela acredita que somente uma API de inspecionabilidade seja capaz de abrir a caixa preta da internet:
"A necessidade de coleta independente é mais urgente do que nunca. Anteriormente, as ferramentas fornecidas pelas empresas, como a API do Twitter e o CrowdTangle do Facebook, uma ferramenta para monitorar as tendências da rede, eram a infraestrutura que alimentava grande parte das pesquisas e relatórios sobre mídia social. Entretanto, à medida que essas ferramentas se tornam menos úteis e acessíveis, são necessários novos métodos de coleta de dados independentes para entender o que essas empresas estão fazendo e como as pessoas estão usando suas plataformas."
O que as plataformas on-line estão fazendo para entrar em conformidade?
Levantamento feito pelo The Verge
Embora o Google afirme que já está em conformidade com algumas das políticas previstas pela DSA, incluindo a capacidade de permitir que os criadores do YouTube recorram de remoções e restrições de vídeos, o Google anunciou que está expandindo seu Centro de Transparência de Anúncios para atender aos requisitos definidos pela legislação.
A empresa também se comprometeu a expandir o acesso aos dados para pesquisadores a fim de fornecer mais informações sobre "como a Pesquisa Google, o YouTube, o Google Maps, o Google Play e o Shopping funcionam na prática".
Além disso, irá aprimorar seus relatórios de transparência e analisará possíveis "riscos de disseminação de conteúdo ilegal ou riscos aos direitos fundamentais, à saúde pública ou ao discurso cívico".
A empresa controladora do Facebook e do Instagram está trabalhando para expandir sua biblioteca de anúncios. Em breve, ela começará a exibir e arquivar todos os anúncios direcionados a usuários na UE.
Em junho, a Meta divulgou um extenso relatório sobre como seu algoritmo funciona no Facebook e no Instagram como parte de sua iniciativa de transparência. Ela também começará a permitir que os usuários europeus visualizem o conteúdo cronologicamente em Reels, Stories e Search - sem estarem sujeitos ao seu mecanismo de personalização
Semelhante às medidas que a Meta está implementando, o TikTok anunciou que está tornando seu algoritmo opcional para os usuários da UE. Quando ele for desativado, os usuários verão vídeos de "ambos os lugares onde vivem e ao redor do mundo" em seus feeds Para você e Ao vivo, em vez de vídeos baseados em interesses pessoais.
Isso também permitirá que eles visualizem o conteúdo cronologicamente nos feeds Seguindo e Amigos.
A empresa ainda está fazendo algumas alterações em suas políticas de publicidade.
Para usuários europeus com idade entre 13 e 17 anos, o TikTok deixará de exibir anúncios personalizados com base em sua atividade no aplicativo.
O Snapchat oferecerá aos europeus a opção de desativar os feeds personalizados em suas páginas Discover e Spotlight: já foram publicados relatórios sobre como são classificadas as publicações nesses feeds.
Há o comprometimento de se fornecer aos usuários mais informações sobre o motivo pelo qual suas postagens ou contas foram removidas, dando a eles as ferramentas necessárias para recorrer da decisão.
Além disso, o Snapchat não veiculará mais anúncios personalizados para usuários europeus com idades entre 13 e 17 anos. Os maiores de 18 anos, por sua vez, terão mais controle sobre a publicidade vista.
Há 25 anos anos, no início de uma era diferente da Internet, um mecanismo de pesquisa começou a enfrentar problemas. Foi considerado o topo da lista, elogiado por sua tecnologia sofisticada e, de repente, enfrentou uma ameaça existencial.
Em vez de tentar melhorar o produto principal, corrigindo os erros que os seus utilizadores tinham, o líder de mercado tornou-se mais um portal, sobrecarregado por serviços inchados que funcionavam cada vez menos bem.
Esta companhia era o AltaVista, o antecessor do Google.
O relato encontra-se na ótima reportagem do The Verge para decretar que "pela primeira vez desde o lançamento do Google, um mundo sem ele no centro parece realmente possível."
The end of the Googleverse mostra como "estamos claramente no fim de uma era e no limiar de outra." E, obviamente, as redes sociais deflagram as transições durante as duas décadas.
Primeiro, observamos a ascensão de "enormes redes sociais algorítmicas fechadas, como o Facebook e o Instagram da Meta", consumindo a Web nos anos 2010.
E, agora, houve uma mudança para feeds de vídeo baseados em entretenimento, vulgo TikTok, que está sendo usado como principal mecanismo de busca por uma nova geração de usuários.
"Quando o Google surgiu, ele era livre de anúncios, com resultados realmente relevantes em um tipo de design minimalista. Se avançarmos até agora, a situação está meio que invertida. Os resultados são um tipo de spam, palavras-chave e coisas de SEO."
O depoimento é de Lenssen, responsável por administrar o Google Blogoscoped entre 2003 e 2011, quando ele foi um dos principais cronistas sobre qualquer informação referida ao Google. Era a época em que os blogueiros despontavam como os primeiros criadores de conteúdo.
Por ironia do destino, o relato da primeira busca no site nos ajuda entender o atual sentimento de derrocada dele e das plataformas sociais que surgiram posteriormente.
Segundo a história, em 1998, Larry Page e Sergey Brin fizeram uma demonstração do Google para o cientista da computação John Hennessy. Eles pesquisaram o nome de Gerhard Casper, ex- presidente de Stanford, no AltaVista e no novo buscador. O líder de mercado associou Casper ao Fantasma Amigável, enquanto a ferramenta da empresa entrante enviou informações sobre a pessoa original.
O que diferenciava os resultados do Google dos do AltaVista era o seu algoritmo, o PageRank, que organizava os dados com base na quantidade de links entre as páginas. Se o seu site tivesse links de outros domínios confiáveis, ele ficaria no topo da lista.
Quase três décadas depois, "o lugar do Google na hierarquia das grandes tecnologias está caindo", na toada da crise que impacta as outras redes sociais. E a Lei dos Serviços Digitais é só mais um fato novo que anuncia a reconstrução da internet, seja de uma maneira descentralizada ou não!
Saiba mais
A The Block Point tem mostrado detalhadamente a crise da mídia e o colapso das redes sociais, e como as tecnologias emergentes trazem novas possibilidades que contribuirão para consolidar a nova era da internet. Confira outros conteúdos sobre o tema
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