Como vai o negócio de mídia?
Derrocada da Vice na sequência de quebras no setor, expõe saturação do modelo de alcance e cliques. Contra ditadura algorítmica, formato centrado na comunidade pode ser bote de resgate desta indústria
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Falido! E seu futuro é tokenizado
Somente três meses depois de deixar o cargo de CEO na Vice, Shane Smith apresentava Nancy Dubuc, ex-chefe da A&E, como sua sucessora. Para o anúncio, o co-fundador da empresa, que abre esta edição com um gesto obsceno peculiar a sua personalidade rebelde, usou uma metáfora bem sugestiva:
“Somos uma Bonnie e Clyde moderna e vamos pegar todo o seu dinheiro."
Era junho de 2018, e a Vice já havia se tornado a décima empresa privada de maior valor nos Estados Unidos com uma avaliação de US$ 5,7 bilhões. Dois anos antes, Smith dizia ao The Wall Street Journal que, até o final da década, a marca poderia valer US$ 50 bilhões.
Naquela altura, muitos ainda questionavam como uma revista anarquista de punk-rock nascida em 1994 no Canadá, escalou para torna-se uma multibilionária de mídia.
A Vice estava um grupo de mídia digital em rápido crescimento que cortejava a geração do milênio na tentativa de trazê-los de volta para a televisão. Os programas na MTV ao longo dos anos 2000 eram uma parte da execução deste plano.
Logo quando Smith deixou o comando, um ex-executivo disse ao The Intelligencer:
“Em um futuro não tão distante, a história do crescimento termina. E a história é que eles terão que encolher”.
Pouco mais de cinco anos depois, a profecia concretizou-se. E da pior maneira possível.
Na última segunda-feira, o Vice Media Group entrou com pedido de concordata, encerrando anos de dificuldades financeiras e saídas de altos executivos.
Um grupo de credores deve comprar os ativos por US$ 225 milhões e assumir passivos significativos, listados entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão, de acordo com o processo em um tribunal federal de Nova York.
O VISLUMBRE DE UM NOVO MODELO
Trecho da reportagem do The Intelligencer de junho de 2018
Ainda no início dos anos 2000, Shane Smith e seus cofundadores estavam entre os primeiros a perseguir duas ideias que viriam a redefinir o negócio de mídia. Em 2006, a Vice fundou a Virtue, uma agência de publicidade de nome atrevido que permitia à revista empregar seus talentos criativos em nome de marcas. Um ano depois, a Vice se tornou um dos primeiros canais de mídia digital a entrar no mercado de vídeo online com o vbs.tv, financiado com um investimento de US$ 2 milhões da Viacom. O cineasta Spike Jonze, que era amigo dos fundadores, ajudou a desenvolver um estilo característico: enviar Smith, Alvi ou outro morador barbudo do Brooklyn com uma câmera para situações estranhas e, às vezes, perigosas. Por fim, a empresa conseguiu uma reunião real para discutir um programa na MTV, que teve uma visão de seu eu mais jovem. Desta maneira, Smith implantava com sucesso o que se tornaria seu discurso padrão.
O pedido de falência é resultado de um período desafiador para muitas empresas de tecnologia e mídia que vêm cortando custos para sobreviver a um mercado publicitário fraco em meio à desaceleração do crescimento econômico.
Na semana anterior ao anúncio da falência da Vice, a Paramount Global divulgou que o MTV News foi encerrado. De acordo com a detentora dos direitos do lendário canal a cabo MTV nascido nos Estados Unidos em 1981, o motivo de o programa sair do ar após 36 anos é devido a "uma reestruturação na empresa".
Possivelmente, o MTV News era o que mais se assemelhava a Vice entre todos os seus imitadores que surgiram para dialogar com os Millennials.
E se esta não for uma crise de mídia digital como pensávamos?
Por Ryan Broderick
O modelo da MTV News - informar as pessoas que já estavam lá para fins de entretenimento - viria a definir praticamente todos os "editores sociais" dos últimos 15 anos. Não só os editores digitais ficaram felizes em perseguir o tráfego maciço proveniente da inserção de seus artigos nos feeds do Facebook entre memes de Minion, correntes antivax e vídeos de quiropráticos falando sobre a derrubada do governo, mas muitos desses editores também inseriram notícias entre as "coisas divertidas" em seus próprios sites. Os mesmos sites que agora estão passando por demissões em massa ficaram mais do que felizes em se gabar para os investidores durante anos de que haviam descoberto uma maneira inteligente de financiar o jornalismo investigativo e as notícias de última hora com listas, questionários, vídeos, linkbacks da Amazon e fofocas de tabloides. E, sei disso com certeza, muitos desses sites também declararam, pelo menos internamente, que eram "o próximo MTV News".
O MTV News foi lançado em 1987, apenas sete anos depois da CNN. E eu diria que teve um papel muito mais cobiçado no centro da cultura pop no final dos anos 90 e início dos anos 2000 do que a CNN jamais teve. Uma era legal e inovadora, e a outra é algo que você assiste no consultório do dentista. Mas o modelo do MTV News só funciona quando todos já estão no canal - e o canal quer que você esteja lá. E assim, da mesma forma que a CNN está atualmente, bem, vacilante, mas ainda existe, e o MTV News não, os editores tradicionais também ainda estão por aí, em vez de muitos dos iniciantes digitais que alegaram que poderiam se tornar virais o suficiente para ser o próximo New York Times.
Quando entramos na era do pico do Facebook, por volta de 2012, os veículos mais tradicionais e bem estabelecidos dos Estados Unidos escolheram as travessuras virais com as quais queriam se envolver, enquanto os veículos mais novos, cheios de capital de risco, se aproveitaram de toda e qualquer peculiaridade algorítmica que aparecesse em seus feeds. E, de muitas maneiras, a proporção para o New York Times, Washington Post e NBC News do mundo é, na verdade, totalmente invertida em relação ao modelo do MTV News. Há coisas divertidas em seus respectivos sites, como uma seção de culinária ou o Wordle, mas eles permaneceram de forma bastante consistente como portais de notícias. Eles não dedicaram toda a sua operação para inserir seu conteúdo em canais para os quais ele não foi criado.
Mas eu diria que uma certa atitude sobre como fornecer conteúdo de notícias está finalmente acabando. E isso é bom. Sinceramente, espero que não tentemos mais enfiar o jornalismo com J maiúsculo em espaços aos quais ele não pertence. Com base em tudo o que estou vendo, a menos que você queira pular de uma nova plataforma para outra e de uma demissão para outra para sempre, a única opção real que você tem é parar, fincar os pés no chão e dizer: "foda-se, estou fazendo um site e vou torná-lo bom o suficiente para que as pessoas queiram lê-lo de propósito". (Ou um boletim informativo, eu acho).
Em meio ao efeito cascata de quebras neste setor, considere também o fechamento do BuzzFeed News, o premiado jornal derivado da fábrica de conteúdo BuzzFeed, no fim de abril.
O cofundador e CEO Jonah Peretti disse que a empresa havia “investido demais” em jornalismo e estaria priorizando o mais lucrativo HuffPost, a fim de construir “uma organização de negócios mais ágil e focada com a capacidade de trazer mais receita.”
COM BUZZFEED EM CRISE... A ofensiva de LeBron James pela Complex, adquirida por Peretti em 2021, para expandir seu negócio de mídia e conteúdos proprietários
"Um novato que arrastou a mídia para a era digital. É um final preocupante para uma publicação que já foi vista como um sério desafiante para os meios de comunicação legados que demoraram a se adaptar à internet. Foi também o capítulo final de um período digital alimentado pelo capital de risco que deixou uma marca indelével na forma como o jornalismo é produzido e consumido."
A lamentação em tom alarmista do The New York Times para falar sobre o fim do BuzzFeed News, é apenas mais uma constatação de que o modelo vigente da última década sustentado por alcance e cliques saturou-se.
Na corrida infinita pelo clickbait, a escala de audiência em detrimento da qualidade e otimizada para as plataformas algorítmicas das big techs criou um ciclo vicioso que coloca esta indústria contra a parede.
"As empresas de mídia viram uma explosão sem precedentes de alcance devido a essas plataformas e se tornaram viciadas nesse tráfego, o que ajudou a alimentar a ascensão da publicidade programática. Curiosamente, as próprias plataformas que alimentaram esse modelo de negócios acabaram mudando seus algoritmos depois de verem quanta receita estavam permitindo que saísse de seu ecossistema ao incentivar os usuários a clicar fora do Facebook ou do Twitter."
Esta é a primeira análise feita por Matt Medved e Alejandro Navia, os fundadores do NFT Now, uma plataforma multimídia que usa as premissas da Web3 para redefinir a relação entre creators e comunidades e suas criações de valor.
Medved foi o editor-chefe da publicação musical Spin Magazine e fundou a Billboard Dance da revista Billboard, enquanto que Navia ocupou a função de diretor de Inovação e Cultura do Elite Daily.
Ex-profissionais deste mercado e exímios entendedores de como a roda gira, eles encamparam um lema para 2023: a mídia está quebrada e seu futuro é tokenizado.
Primeiramente, a tese por trás do discurso olha para três fatos do passado-presente para mostrar onde nos encontramos:
À medida que os algoritmos recompensavam manchetes sensacionalistas e gatilhos rápidos, a qualidade da cobertura diminuía. A corrida para ser o primeiro a contar uma história também produziu embaraços públicos para as principais marcas de mídia
A publicidade programática nos reduziu a globos oculares para ser monetizado e descartado. Aos olhos dos editores, não havia distinção entre a qualidade e a quantidade de audiência. Simplificando, fomos todos reduzidos a uma única métrica: tráfego
Com editores e plataformas direcionadas para receita de publicidade, começamos a ter nossa privacidade atacada. As plataformas começaram a rastrear usuários na web sem seu consentimento explícito para vender mais anúncios
Agora, a história do futuro apoiar-se na tecnologia para impulsionar a narrativa e um novo modelo de negócio repete-se. A imprensa de Gutenberg catalisou a revolução da informação. A invenção da internet forçou as publicações impressas a se tornarem digitais. A escalada do smartphone moveu a mídia digital para abraçar o celular. Desta vez, a Web3 provocará consequências do mesmo calibre.
Os ótimos paralelos traçados por Medved e Navia nos levam para o momento em que a terceira era da internet devolve a propriedade aos usuários, minimiza a função intermediária das plataformas e cria relações genuínas entre criadores e suas comunidades.
"À medida em que a cobertura ficou mais homogênea para explorar algoritmos, as marcas de mídia tornaram-se intercambiáveis, de modo que os leitores têm pouco incentivo para escolher uma em detrimento da outra. Na web2, os consumidores são leais ao título, não à marca. Em contraste, a comunidade quer vencer junto. E na Web3, na maioria das vezes, eles realmente têm uma participação literal em fazê-lo. Ao alinhar incentivos e recompensar a participação descentralizando a propriedade e a governança, as comunidades são os principais impulsionadores da criação de valor."
No fim, trata-se de uma distinção explícita entre audiência e comunidade.
As provocações em forma de uma nova proposta para a mídia feitas pelos fundadores do NFT Now remontam à teoria de Marshall McLuhan: uma mudança no aparato dominante da mídia altera não apenas como o conteúdo circula, mas o qual é seu tipo e quais respostas as pessoas têm a ele.
A citação é lembrada por Caroline Busta e Lil Internet no ensaio que reconhece a ascendência de uma mídia holográfica:
"A mídia não é mais linear. As saídas herdadas desaparecem no ruído e as comunidades se tornaram telas através das quais todas as plataformas são difratadas."
Para os autores, a grande mudança no protocolo de mídia na década de 2010 nos colocou diante de uma audiência fragmentada. E, novamente, as mesmas conclusões sobre o atual formato desgastado e falido vêm à tona:
"As gravadoras faliram devido ao streaming. Publicações impressas de longa data tiveram que ir primeiro para o digital, muitas vezes tornando seu conteúdo gratuito. Por sua vez, os contratos com gravadoras secaram, os honorários dos escritores despencaram e a compensação geral pelo trabalho no setor cultural foi oferecida na forma de 'exposição'. O terreno crítico se transformou em um pântano virtual de sinais e informações carentes de contexto, onde apenas o conteúdo mais sensacionalista vence."
A lógica que desafia métricas e o engajamento artificial determinados pela ditadura algorítmica deve compreender uma construção focada na verdadeira geração de valor em detrimento da quantidade.
Para ser mais claro: o mesmo impacto que um milhão de pessoas geram no Spotify, mil podem causar, por exemplo, apoiando de maneira irrestrita um artista de música dentro de sua comunidade criada para os super fãs.
"Neste mundo da Web3, teremos plataformas através das quais as pessoas são recompensadas pelo conteúdo que publicam por meio de tokens ou microtransações. Alguns desses jornalistas vão produzir um trabalho fenomenal, desvinculado da ideologia ou da agenda que seus superiores estão tentando impor. É claro que vai ser difícil quebrar o efeito de rede da grande tecnologia. Mesmo que você crie a plataforma social descentralizada mais incrível, que libera tantos benefícios para um criador, como você tira as pessoas do Instagram? Esta pergunta de um trilhão de dólares, certo?"
Sem dúvidas! E estamos alinhados com as ponderações e o questionamento deixados por Roberto Nickson, o fundador da Metav3rse, uma página que traz conteúdos sobre as tecnologias emergentes.
Enquanto a resposta certeira de trilhões ainda não pode ser bancada, o próprio NFT Now transforma sua briga em um case que joga luz sobre como o negócio de mídia pode caminhar para um modelo descentralizado.
Através do Now Pass, detentores dos 2.750 passes digitais lançados têm acesso exclusivo à comunidade e a todo ecossistema de mídia da marca: a Now Network.
Criado em março, o projeto também concede a participação dos membros em eventos presenciais, como aconteceu no mês passado durante o NFT.NYC.
"Este é o primeiro passo para sermos pioneiros neste modelo de mídia centrado na comunidade e começar a realmente redefinir qual é o papel de uma marca de mídia em um ambiente Web3", disse Matt Medved ao portal CoinDesk.
A co-criação em comunidades e a experiência de ser dono do próprio conteúdo pode ser o passe de liberdade contra o que o NFT Now chama de "tirania estúpida de cliques, exibições de página e CPMs."
Conforme salientaram os fundadores, a experimentação é uma parte crítica do pioneirismo de um novo paradigma. Afinal, as transformações provocadas pelas tecnologias insurgentes determinarão novos hábitos e padrões de consumo.
À espera deste futuro distante, mas em revolução, a melhor intenção deve compreender a dimensão do papel de cada segmento no fluxo da mudança. E, sem dúvidas, a mídia tem uma relevância imensurável para ditar o rumo e a velocidade deste processo.
"Figuras não institucionais - escritores, artistas, podcasters do Substack - e suas comunidades mais amplas continuarão a cumprir o papel de criadores de sentido confiáveis. Enquanto isso, corporações e governos precisarão cultivar relacionamentos com esses formadores de opinião para ganhar mais confiança e tração", avisam Caroline Busta e Lil Internet.
Direto ao ponto
Nesta sessão, sempre traremos alguns poucos e bons destaques sobre o que está acontecendo neste mercado
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