A suprema cultura dos bens digitais
A perda de relevância da Supreme entre os jovens e a elevação da Nike para conjugar jogos, moda e branding: a próxima marca de lifestyle cria identidade digital e entrega interações reais e virtuais
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Os paralelos entre streetwear e as skins do universo gamer
É verão de 2017. O primeiro lançamento de Supreme x Stone Island acaba de chegar. As ruas estão repletas de adolescentes e fanáticos por streetwear espalhados pela Supreme, Palace, Comme des Garçons e Stone Island. Há uma comoção, e as pessoas empurram umas as outras para garantir um lugar nas lojas.
Lottie Leseberg Smith descreveu bem a cena retratada no vídeo acima na abertura de seu artigo de 19 de outubro do ano passado para a Whynow, uma plataforma multimídia sobre cultura pop e entretenimento. O propósito do conteúdo era traçar um paralelo com o baixo apelo das collabs da Supreme em 2022 e perguntar: a marca ainda é cool?
As reflexões do editor pareciam ser um complemento para a entrevista de Benoit Pagotto publicada pelo Business Of Fashion cinco dias antes. E não foi premeditado.
A renomada plataforma de moda apresentava um dos responsáveis pela RTFKT. Na reportagem, Pagotto foi introduzido como: The Nike-Backed Gamer Building the Supreme of the Metaverse.
Quase um ano depois de a empresa nativa da Web3 ter sido adquirida pelo Swoosh, o fundador aproveitava-se do apelo e do alcance da publicação para reafirmar sua convicção de que a próxima onda de marcas de moda inovadoras venderá looks virtuais para uma geração que cresceu com o videogame.
Sem pestanejar, Pagotto ratificava sua crença intocável de que a transformação será maior do que a revolução do streetwear, responsável por impulsionar a ascensão da Supreme e da Off-White e inspirar novos modelos de negócios das megamarcas, da Gucci à Dior.
A certeza não é bancada apenas pelo know-how do homem à frente de um dos maiores cases da terceira era da internet. Ela também remonta ao seu passado:
“Eu era um esquisito na minha geração, mas agora todo garoto de 13 anos é um gamer. E a maioria das marcas de moda, mesmo a Supreme, não entende.”
As declarações de Smith e Pagotto poderiam ser confundidas como uma profecia, mas são constatações pertinentes, agora, balizadas pelos números.
Neste mês, a Supreme reportou receitas de US$ 523,1 milhões, marcando uma queda de US$ 38,4 milhões em relação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com o relatório da controladora VF Corp referente ao primeiro trimestre de 2023.
Os resultados da marca ficaram aquém da meta de US$ 600 milhões estipulada pela VF Corp, visando uma margem significativa. O lucro líquido de US$ 64,8 milhões foi atingido, porém abaixo dos US$ 82,4 milhões do ano passado.
Parte do sucesso e fascínio cultural da Supreme, conforme explica Smith, é o suprimento limitado, drops cronometrados e tempos de pagamento rápidos. É um sonho de oferta e demanda tornado realidade. Peças únicas e em pouquíssimas quantidades esgotavam-se rapidamente on-line, elevando os preços de revenda de maneira instantânea.
O prestígio e a exclusividade que encantavam os fãs mais fiéis, porém, foram minados a medida em que seu público envelheceu e a VF Corp tomou as rédeas do negócio.
No mês passado, o Wall Street Journal mostrou que a Supreme passou a oferecer mais moletons, jaquetas e camisas do que antes, além de inaugurar novas lojas.
Ironicamente, a mudança de estratégia acontece no momento em que a moda digital ganha tração, replicando justamente os conceitos que alavancaram a marca no passado.
“Os produtos digitais têm um parentesco com o streetwear, pois a camiseta não é o valor – a escassez é o valor, a comunidade é o valor – mas a oportunidade é muito maior do que o streetwear por causa da escala da tecnologia”, disse Ian Rogers, ex-diretor digital da LVMH que, em 2020, ingressou na fabricante de carteiras de criptomoedas Ledger, um dos primeiros investidores da RTFKT.
Foi Rogers quem comparou a RTFKT à Supreme, dando título para a reportagem do Business Of Fashion sobre Pagotto. E não é somente ele quem vislumbra isso.
Além de ter incorporado a marca por um valor não revelado, a Nike está compreendendo como a cultura phigital impulsionada por uma Geração Z aficionada por games poderá ditar novos rumos para sua relevância e seus negócios.
Com o Fortnite, o Swoosh apresentou, na terça-feira, a colaboração responsável por criar um mundo virtual com o tema Air Max chamado de Airphoria.
"Prepare-se para uma aventura nas alturas: Airphoria é uma celebração aérea à cultura do tênis. Pise com todo o conforto e conheça locais como a 'Estação 97', a 'Torre de Caixas de Sapatos' e o 'Museu Máxximo'. Explore a cidade para encontrar as Relíquias do Air Max!"
A Airphoria Island adicionada ao jogo da Epic Games converge os universos físico e digital, oferecendo experiências e itens colecionáveis em cada um deles.
Dentro da cidade virtual explorável, há cinco Air Max Grails: Air Max 1 , Air Max 97 , Air Max TW , Air Max Scorpion e Air Max Pulse. Caso sejam coletados, uma recompensa é garantida: o Air Max 1 '86 Back Bling.
Os jogadores também podem vincular as contas da Epic Games e da Nike para reivindicar uma conquista no .SWOOSH, a plataforma que hospeda as criações virtuais da marca, garantindo o primeiro acesso ao próximo drop do Our Force 1 (OF1), a versão digital do icônico modelo desenvolvida pela comunidade.
Em outro ambiente, foi lançada a coleção limitada de camisetas Airphoria para celebrar a colaboração. Os itens custam entre US$ 35 e US$ 40 e podem ser comprados via Nike.
INVADINDO A NOVA ILHA: Explore Airphoria e conheça as skins criadas
Nos últimos anos, a Nike e a Epic Games uniram forças para projetos como o Air Jordan 6 de Travis Scott para o Fortnite e a criação de um Nike Zoom Freak 4 PE especial com Giannis Antetokounmpo, o astro da NBA e do Milwaukee Bucks.
Em 2019, a Louis Vuitton puxava a fila para o estabelecimento de um novo mercado de bens digitais no universo dos games. No ano seguinte, a apresentação de Travis Scott, que ofereceu skins customizadas a mais de 12,3 milhões de jogadores simultâneos, alertava sobre como os videogames poderiam ser um fenômeno cultural tão poderoso quanto as cenas de hip-hop e skate que deram origem ao boom do streetwear. De fato, a oportunidade na moda virtual era real.
LVMH se une à Epic Games
Confira o anúncio oficial do grupo no último dia 14
No show Viva Technology, a LVMH anunciou uma parceria com a Epic Games, criadora do Fortnite e do Unreal Engine, para transformar o pipeline criativo do Grupo e trazer aos clientes novos tipos de experiências imersivas de descoberta de produtos. Essa parceria estratégica capacitará a LVMH e suas Maisons a utilizar ainda mais as poderosas ferramentas de criação 3D da Epic para oferecer experiências como provadores virtuais e desfiles de moda, carrosséis de produtos 360, realidade aumentada, criação de gêmeos digitais e muito mais.
Essas ferramentas, incluindo Unreal Engine, Reality Capture, Twinmotion e tecnologia MetaHuman ajudarão a LVMH a desbloquear oportunidades de crescimento significativas. Com um espírito resolutamente voltado para o futuro, a LVMH e suas Maisons atualizam continuamente sua oferta para se envolver com novas práticas, respeitando seus ativos e herança atemporais. Esse mesmo espírito orienta a parceria firmada com a Epic Games.
“Sempre apostamos em inovações com potencial para trazer novas experiências aos nossos clientes. Os jogos interativos, que se tornaram um fenômeno cultural completo, são um exemplo perfeito. A parceria com a Epic Games acelerará nossa expertise em ferramentas e ecossistemas 3D, desde a criação de novas coleções até campanhas publicitárias e os sites de nossas Maisons. Também nos envolveremos de maneira mais eficaz com as gerações mais jovens, que estão muito à vontade com esses códigos e usos”, diz Toni Belloni, diretor administrativo do Grupo LVMH.
Dando continuidade aos seus planos, a Nike não mira só os 240 milhões de jogadores ativos no Fortnite computados nos últimos 30 dias. Há intenções voltadas para o plano da creator economy dentro da plataforma.
Há três meses, a Epic anunciou que 40% da receita líquida das compras no Fortnite - incluindo sua moeda virtual V-Bucks, transações em dinheiro real em itens como Starter Packs e cosméticos e assinaturas do Fortnite Crew - seriam distribuídos entre os criadores da Island.
Embora a explicação oficial para os pagamentos de engajamento do Fortnite Creative seja escassa em detalhes, é conhecido que seu formato combina popularidade e retenção.
O Fortnite define ilhas populares como aquelas que “atraem novos jogadores e reengajam outros que não estão mais”, e retenção como “jogadores que retornam dia a dia e semana a semana, indicando uma jogabilidade atraente”.
Os pontos muito bem observados por Mat Ombler no artigo escrito para o Water & Music, a comunidade colaborativa de pesquisa sobre inovação na indústria da música, destacam a relevância do modo sandbox, no qual criadores selecionados podem construir suas próprias ilhas para os jogadores explorarem, e como ele impacta na geração de receitas e tornou-se chamariz para artistas:
"Há uma oportunidade aqui para jovens desenvolvedores com uma compreensão completa do ecossistema do Fortnite para construir relacionamentos duradouros com gerentes e gravadoras de música e ganhar muito dinheiro no processo."
A Naavik, uma empresa de pesquisa e consultoria da indústria de games, analisou recentemente os desenvolvedores terceirizados com os maiores ganhos no Fortnite, e estimou que mais de 20 estão ganhando valor superior a US$ 1 milhão mensalmente com as experiências do Modo Criativo.
Como exemplo, o pagamento mensal projetado para o criador theboydilly, responsável pela experiência de Kid Laroi e pela série Sound Wave, é de US$ 5,2 milhões.
No Roblox, os usuários registrados podem negociar equipamentos de avatar de tiragem limitada, conhecidos como Limiteds, com 10% das revendas voltando para os criadores originais.
A plataforma também foi escolhida pelo Metallica para lançamento do seu álbum 72 Seasons. Conforme explicou Ombler, em vez de se construir um Metallica World como pode ser visto no Fortnite, a campanha integrou música e missões em alguns dos mundos mais populares do Roblox, acompanhado de produtos digitais da banda.
Em 2021, a comercialização de mercadorias durante a performance de Lil Nas X na plataforma atingiu oito dígitos, enquanto Zara Larsson disse à BBC que ganhou mais de US$ 1 milhão com vendas virtuais de produtos naquele mesmo ano.
"Em outras palavras, os criadores independentes estão competindo diretamente com as grandes empresas e com a própria plataforma em que estão construindo para obter receita. Dito isso, a mecânica de pagamento do Fortnite incentiva o desenvolvimento de mundos mais persistentes, em vez de ativações pontuais de marca ou ganhos rápidos de dinheiro. Isso pode criar uma janela de oportunidade para artistas e marcas alavancarem o Fortnite como uma plataforma de marketing e gerador de receita de longo prazo fora dos grandes lançamentos de álbuns ou temporadas de festivais. Quanto a quem lucra com esse modelo, só o tempo dirá."
A conclusão de Mat Ombler muito provavelmente está em sintonia com a visão futurista pregada pelo Swoosh. O pacote games, moda, música e criadores potencializado pela terceira era da internet e a economia da propriedade e dos bens digitais resume bem a profecia de 2019 de Benoit Pagotto, o personagem que abre esta edição, quando ele introduzia a RTFKT a investidores. O primeiro slide da apresentação dizia: “Fazendo o roteiro de 2025 da Nike acontecer em 2020”.
Na época, ele defendia a construção de um primeiro negócio “90% digital, 10% físico", que seria o seu modelo para "uma verdadeira marca de estilo de vida do futuro”. E os acontecimentos recentes têm nos mostrado que este pode ser realmente o caminho.
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