O Anjo Mau
GM, Block Pointers. Da figura angelical ao diabo vestido de nerd: mostramos como o culto à genialidade do criador da FTX foi construído a base de doações políticas e filantropia até sua derrocada
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A desconstrução de um mito
Moletom com capuz preto, shorts cáqui cinza, New Balances surrados. Com esses trajes, Sam Bankman-Fried chegava direto de Hong Kong para sua festa privada no Electric Lemon, um restaurante no 24º andar do Equinox Hotel cinco estrelas no complexo Hudson Yards de Manhattan.
O fundador da FTX não precisou de uma roupa de gala para atrair todos os holofotes em sua entrada triunfal, tirando as atenções até de Obi Toppin, o jogador do NY Knicks, da NBA, que estava entre os convidados.
Steven Ehrlich e Chase Peterson-Withorn também figuravam na lista de presentes. Os jornalistas da Forbes foram até o local para conhecer de perto a intimidade daquele que estamparia a capa da revista em 6 de outubro de 2021.
A reportagem especial contou sobre como SBF acumulou 22,5 bilhões antes de completar 30 anos, e mostrou a versão angelical do jovem prodígio.
Bankman-Fried cresceu lendo Harry Potter, assistindo ao San Francisco Giants e ouvindo seus pais falarem sobre política com acadêmicos da Costa Oeste. Depois de se formar em uma pequena escola particular da Bay Area que, segundo ele, “teria sido muito boa se eu fosse mais hippie e gostasse menos de ciências”, ele se matriculou no MIT, onde passava mais tempo jogando videogames Starcraft e League of Legends do que estudando.
Para completar a criação do personagem inspirado no padrão gênio imaculado made in Vale do Silício, a Forbes destacou que o idealizador da FTX não era um verdadeiro crente sobre as criptomoedas. Ele somente gostaria que sua riqueza sobrevivesse o suficiente para doar tudo.
“Com exceção de Mark Zuckerberg, ninguém na história jamais ficou tão rico tão jovem. A ironia? Bankman-Fried não é um cripto evangelista. Ele é um mercenário, dedicado a ganhar o máximo de dinheiro possível (ele realmente não se importa como) apenas para poder doá-lo (ele realmente não sabe para quem ou quando)”, diz um trecho da matéria
Depois do anúncio da falência da FTX na sexta-feira passada, a fortuna de Sam, infelizmente, ficou comprometida para a caridade.
O episódio também foi suficiente para que o talentoso e caridoso jovem bilionário fosse transformado pela mesma Forbes em ‘The Devil In Nerd’s Clothes.’
Sem o menor desfaçatez, a publicação que colocou SBF no pedestal e aclamou sua fortuna alavancada em meio ao frenesi cripto de 13 meses atrás, agora, faz o mea-culpa e reconhece que o mito da FTX enganou a todos.
O culto exacerbado à genialidade de Bankman-Fried evocado pela Forbes e outras publicações, investidores e comunidade cripto foi construído por uma narrativa que focou nos passatempos prediletos dos super ricos: doações políticas e filantropia.
Ainda em 2020, ele foi o segundo maior doador individual para a campanha eleitoral geral de Joe Biden e, antes das eleições intermediárias de 2022, prometeu dar até US$ 1 bilhão a candidatos democratas. Segundo o The Nation, porém, este compromisso até hoje não foi honrado.
Democratas pró-cripto como a senadora júnior de Nova York Kirsten Gillibrand também foram contemplados por Sam.
Além das doações pessoais, ele canalizou milhões para candidatos por meio de dois programas preventivos contra pandemia chamados PACs: Protect Our Future e Guarding Against Pandemics.
De acordo com o The Intercept, um dos aportes do PACs injetou US$ 11 milhões para apoiar o democrata Carrick Flynn, de Oregon, que acabou perdendo as eleições primárias na época.
A fama conquistada de ser um importante financiador liberal, tanto como figura pública quanto como impulsionador da política democrata, sustentou os planos de Sam para o lobby cripto no Congresso. Para a FTX e seu fundador, a regulação seria imprescindível.
“Além de se estabelecer como um doador de poder do partido democrata, Bankman-Fried havia se aproximado de legisladores em exercício e contratou uma lista de ex-reguladores em uma ofensiva de cripto-charme - especialmente ex-membros da Commodity Futures Trading Commission, que supervisiona autoridade sobre commodities criptográficas e contratos de derivativos”, explicou Timi Iwayemi, pesquisadora sênior e diretora de educação política do The Revolving Door Project.
Paralelamente à política, Bankman-Fried dizia que planejava doar toda a sua riqueza, enquanto definia suas prioridades de distribuição com o novo movimento de altruísmo eficaz sancionado pelo Vale do Silício, segundo pontuou Iwayemi em um artigo escrito para o The Nation.
“O espectro de um modelo simplificado e racionalizado de doações de caridade era parte integrante desse projeto, assim como seus muitos defensores influentes e bem financiados teriam uma maneira de retribuir a um bem comum saqueado, ou projetar um novo regime filantrópico sobrecarregado de reformas sociais impulsionadas e comandadas pelo mercado”, comentou a especialista.
A fábula de solucionismo de mercado criada pela FTX que encantou a mídia de negócios e o establishment político, caminha para se tornar um blockbuster de Hollywood.
Michael Lewis, o consagrado autor de Moneyball , The Big Short eThe Blind Side, trará o crash da exchange e a história surreal do fundador como capa do seu próximo livro. O The Ankler informou que a agência CAA está negociando com Lewis os direitos para transformar a publicação em um filme.
Enquanto o drama com misto de suspense que está por vir não tem data de lançamento, a The Block Point recomenda que você assista Não Confie em Ninguém: A Caça ao Rei da Criptomoeda.
O documentário produzido pela Netflix conta a trajetória de Gerry Cotten, um estereótipo dos gênios tecnológicos que ficam multimilionários antes de completar 30 anos. Típico nerd introspectivo, ele criou uma das mais influentes casas de negociação de criptomoedas do Canadá e, rapidamente, virou uma unanimidade para a comunidade.
Qualquer semelhança com Bankman-Fried, não é mera coincidência. A diferença da ficção para a realidade é que no auge do sucesso, Cotten morre misteriosamente, e não se refugia nas Bahamas, como fez o dono da FTX.
Na sequência, os investidores frustrados resolvem investigar o caso e várias teorias são levantadas.
SBF, Cotten… no fim, eles são personagens criados para alimentar expectativas de uma seita de seguidores e a conveniência de quem sustenta e infla a falsa narrativa do herói brilhante imune a fracassos. Como bem pontuou Timi Iwayemi, este ciclo vicioso está longe de ter um fim, assim como os problemas da FTX e de Sam.
“A lógica intelectual frágil para manipulação de mercado e criação de bilionários provavelmente se manterá. A menos e até que reconheçamos que, em todas as fases de sua turnê extravagantemente elogiada sob os holofotes financeiros, Sam Bankman-Fried cortejou diligentemente o que os financiadores ricos sempre almejaram: a licença cada vez maior e a impunidade para fazer o que quiserem.”
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